terça-feira, 18 de maio de 2010

"Necessidades adquiridas na sessão da tarde"

Quem assiste não imagina. Quem imagina não comensura. Quem utiliza simplesmente não acredita. Essa é a realidade de quem assiste a propaganda do Governo sobre suas realizações na Saúde do Estado. Tudo tão bonitinho, tão limpo e tão organizado. As dependências dos hospitais na tela demonstram uma tranqüilidade incompatível com o dia a dia de quem utiliza, trabalha ou apenas visita a complexa rede pública de saúde pernambucana. (o vídeo pode ser assistido no fim do artigo)

No último almoço em família, entre as velhas possibilidades de socialização com um daqueles familiares mais distantes, o assunto não poderia ser diferente de qualquer coisa que se passe na TV como catástrofes, futebol ou política. Um comentário rápido basta para começar o devaneio. Sem maior aprofundamento. Aquele típico papo de elevador e a interferência não poderia ser mais direta: - A saúde melhorou muito com Eduardo Campos num foi?

Antes de mais nada preciso admitir que meu voto, nas últimas eleições, foi para Eduardo Campos. Pelo menos no segundo turno. Na realidade votei mais contra Mendocinha do que a favor do neto de Miguel Arraes. O argumento? Nada poderia ficar pior do que estava com o antigo governador. Eu falo especificamente em relação à saúde e o serviço público. Correto? Não, hoje eu acredito que não.

Depois dos quase 4 anos de comando do atual governador já não tenho mais tanta certeza quanto ao pessimismo em relação ao candidato de Jarbas. Retruco ao meu quase íntimo familiar que não melhorou. Que tudo está muito ruim e que nestes anos, por conta do meu trabalho, acompanhei de perto os serviços de saúde do Estado e não consigo enxergar melhoras palpáveis.

Meu familiar discorda e utiliza a propaganda do Governo como argumento. Lembro a mim mesmo que uma imagem vale mais do que mil argumentos e não retruco como de costume. Como rebater a realidade “virtual” exposta nos milhões de lares pernambucanos. Como não pode ta melhor se o governador vem investindo na construção de mais Hospitais (um até já foi inaugurado) e em várias Unidades de Pronto Atendimento (UPA) como alternativa para a superlotação dos Grandes Hospitais. Todos, se não me engano, em parceria com instituições privadas.

Solução exposta pelo governador e um problema automaticamente identificado para o funcionalismo público. Os salários. Quem trabalha hoje como enfermeiro, médico ou faxineiro numa Policlínica recebe menos do que quem trabalha numa UPA. Quem trabalha no Hospital da Restauração (HR) recebe menos do que quem trabalha no Miguel Arraes HMA). Mas achei melhor calar.

O problema vai além. Quem trabalha nas recém inauguradas casas de saúde convive com uma estrutura limpa, sadia e sem os problemas típicos do excesso de pacientes.O Miguel Arraes, por exemplo, não recebe pacientes que não sejam socorridos pelo SAMU, Bombeiros ou transferidos por outro hospital. Assim tudo fica mais fácil, até fazer propaganda. A função é a mesma, o salário é pago praticamente pelo mesmo patrão e o resultado é a insatisfação generalizada.

O Governo anunciou concursos para a contratação de mais profissionais de saúde, o Cremepe avisou com antecedência que o numero de contratados pelo governo seria insuficiente e tudo continua como antes. Quem faz medicina não quer perder tempo na rede pública quando pode ganhar uma dinheirama em clínicas e hospitais particulares.

A equipe de governo argumenta que há um déficit de profissionais na área de ortopedia e neurologia. Mas além de não aumentar os proventos como estimulo para a contratação de novos servidores Eduardo Campos desnivela o salário dos atuantes. Qual o resultado então? Insatisfação, sofrimento e morte. Muitas mortes. Na maioria das vezes por motivos banais.

A equipe de ouvidores da ADUSEPS - da qual faço parte - identificou mais de cinqüenta casos de pacientes que aguardam por cirurgia corretiva há meses apenas em um dos grandes hospitais. Tem gente que ficou alojado mais de ano dentro de uma enfermaria. Com a carne cicatrizada, com o osso calcificado, mas ainda fora do lugar.

São muitos os casos deste tipo. Uma vez no Getúlio Vargas o neto de uma senhora de 82anos contou-me que sua avó estava no chão do hospital em cima de um lençol forrado esperando pelo atendimento. Ela tinha uma perna quebrada. Passou mais de 15 dias no mesmo lugar. Não agüentou e faleceu sem atendimento adequado. Isso é mais comum do que se imagina.

Na semana passada um PM entrou em contato comigo. Ele estava na Policlínica Amaury Coutinho, na Campina do Barreto. Seu cunhado teria quebrado a perna e já esperava mais de cinco horas por um atendimento que nunca acontecia. Liguei pra Secretaria de Saúde na expectativa de encontrar uma solução. Tentar indicar um outro local para ele ir. Mas apesar da boa vontade de quem me atendeu ao telefone e a recíproca indignação com o que me ouviu relatar nada se pode fazer.

Liguei ainda pra ouvidoria do Estado, pra várias policlínicas e UPAs espalhadas pelo Grande Recife e nada. Decidi ligar para um colega jornalista. Ele entrou em contato com o paciente. O paciente contou tudo detalhadamente. Mas a matéria não rendeu. Pois o fato é deveras corriqueiro.

O cidadão continuou esperando e por falta de contato até hoje eu não sei se ele conseguiu ser atendido ou não. Como ele não voltou a ligar, eu prefiro acreditar que ele tenha conseguido. Mas era muito detalhe para um almoço de família. Preferi não me aprofundar.

Não queria deixar gente sem apetite e muito menos constranger quem tanto acredita no que se passa na telinha.

p.s - Basta clicar abaixo e assitir a propaganda do Governo do Estado. Como piada não é muito engraçada, mas como filme tá profissional. Quando assisto eu quase acredito.

2 comentários:

  1. Só posso me manter redundante: "É revoltante!"

    ResponderExcluir
  2. kkkkkkkkkk.. o video do governo é um belo exemplo de curta de ficção. dfevioa ta no cinepe

    ResponderExcluir