quarta-feira, 26 de maio de 2010

O que os olhos não veem o coração não sente


As construções no ano da saúde continuam, hospitais e leitos novos são inaugurados em intervalos cada vez mais próximos. Até a contratação de novos funcionários – temporários – para a rede estadual de saúde foi anunciada. Apesar dos números não baterem com as necessidades exemplificadas pelo pelos conselhos e sindicatos das categorias.

No Hospital da Restauração, símbolo do que existe de pior e melhor na saúde pernambucana, as melhorias estão sendo feitas aos olhos da população. Onde quase todo mundo passa. Mas longe de onde a vista pode alcançar o caos ainda predomina.

No último sábado dia 22 foi noticiado na imprensa à morte de uma garota de 4 anos com sintomas de dengue hemorrágica no HR. Foram quatro dias de espera por uma UTI que não veio e a garota faleceu. Coisa comum no dia a dia de quem convive com o referido nosocômio.

Um dia depois, ou seja no último domingo, dois pacientes foram socorridos para o Hospital da Restauração por conta de Acidente Vascular Cerebral (AVC). O senhor Reginaldo Manoel e a Dona de casa Severina Gercina Pereira tinham diagnóstico de risco e a necessidade urgente de transferência, mas apesar da gravidade os dois esperaram em vão a disponibilidade de um leito de UTI e na madrugada de hoje vieram a falecer.

Os números são bizaros. No ano passado faleceram na fila de espera por UTI exatamente 2523 pessoas. Uma média um pouco maior que 6 pessoas por dia. De acordo com os números divulgados pela Central de Regulação de Leitos do SUS, pelo menos 10% dos pacientes que dão entrada nos Hospitais do Estado precisados de UTI vem a falecer.

Este ano - apesar da propaganda governamental dizer o contrário - o ritmo de falecimentos por conta da falta de leitos disponíveis continua alto. Apenas em janeiro deste ano 195 pacientes faleceram antes mesmo de receber atendimento em alguma unidade de tratamento avançado e o numero de óbitos contabilizados continua na faixa de 6 pessoas por dia.

Desde então mais mortes aconteceram e já perto do fim do mês de maio vieram a óbito 737 pessoas. Todas - entre crianças e idosos – por falta de leitos de UTI disponível na Rede Credenciada do SUS em Pernambuco.

Além da dor - menos de cinco horas após a confirmação do óbito - familiares dos pacientes continuam esperando notícias dos seus parentes. Segundo as familiares nem ao menos o corpo dos mesmos foi localizado. Revoltados, eles devem entrar ainda hoje com ação contra o Estado por danos morais. Ação que se por um acaso for ganha, dificilmente beneficiará a atual geração de parentes dos falecidos.

terça-feira, 18 de maio de 2010

"Necessidades adquiridas na sessão da tarde"

Quem assiste não imagina. Quem imagina não comensura. Quem utiliza simplesmente não acredita. Essa é a realidade de quem assiste a propaganda do Governo sobre suas realizações na Saúde do Estado. Tudo tão bonitinho, tão limpo e tão organizado. As dependências dos hospitais na tela demonstram uma tranqüilidade incompatível com o dia a dia de quem utiliza, trabalha ou apenas visita a complexa rede pública de saúde pernambucana. (o vídeo pode ser assistido no fim do artigo)

No último almoço em família, entre as velhas possibilidades de socialização com um daqueles familiares mais distantes, o assunto não poderia ser diferente de qualquer coisa que se passe na TV como catástrofes, futebol ou política. Um comentário rápido basta para começar o devaneio. Sem maior aprofundamento. Aquele típico papo de elevador e a interferência não poderia ser mais direta: - A saúde melhorou muito com Eduardo Campos num foi?

Antes de mais nada preciso admitir que meu voto, nas últimas eleições, foi para Eduardo Campos. Pelo menos no segundo turno. Na realidade votei mais contra Mendocinha do que a favor do neto de Miguel Arraes. O argumento? Nada poderia ficar pior do que estava com o antigo governador. Eu falo especificamente em relação à saúde e o serviço público. Correto? Não, hoje eu acredito que não.

Depois dos quase 4 anos de comando do atual governador já não tenho mais tanta certeza quanto ao pessimismo em relação ao candidato de Jarbas. Retruco ao meu quase íntimo familiar que não melhorou. Que tudo está muito ruim e que nestes anos, por conta do meu trabalho, acompanhei de perto os serviços de saúde do Estado e não consigo enxergar melhoras palpáveis.

Meu familiar discorda e utiliza a propaganda do Governo como argumento. Lembro a mim mesmo que uma imagem vale mais do que mil argumentos e não retruco como de costume. Como rebater a realidade “virtual” exposta nos milhões de lares pernambucanos. Como não pode ta melhor se o governador vem investindo na construção de mais Hospitais (um até já foi inaugurado) e em várias Unidades de Pronto Atendimento (UPA) como alternativa para a superlotação dos Grandes Hospitais. Todos, se não me engano, em parceria com instituições privadas.

Solução exposta pelo governador e um problema automaticamente identificado para o funcionalismo público. Os salários. Quem trabalha hoje como enfermeiro, médico ou faxineiro numa Policlínica recebe menos do que quem trabalha numa UPA. Quem trabalha no Hospital da Restauração (HR) recebe menos do que quem trabalha no Miguel Arraes HMA). Mas achei melhor calar.

O problema vai além. Quem trabalha nas recém inauguradas casas de saúde convive com uma estrutura limpa, sadia e sem os problemas típicos do excesso de pacientes.O Miguel Arraes, por exemplo, não recebe pacientes que não sejam socorridos pelo SAMU, Bombeiros ou transferidos por outro hospital. Assim tudo fica mais fácil, até fazer propaganda. A função é a mesma, o salário é pago praticamente pelo mesmo patrão e o resultado é a insatisfação generalizada.

O Governo anunciou concursos para a contratação de mais profissionais de saúde, o Cremepe avisou com antecedência que o numero de contratados pelo governo seria insuficiente e tudo continua como antes. Quem faz medicina não quer perder tempo na rede pública quando pode ganhar uma dinheirama em clínicas e hospitais particulares.

A equipe de governo argumenta que há um déficit de profissionais na área de ortopedia e neurologia. Mas além de não aumentar os proventos como estimulo para a contratação de novos servidores Eduardo Campos desnivela o salário dos atuantes. Qual o resultado então? Insatisfação, sofrimento e morte. Muitas mortes. Na maioria das vezes por motivos banais.

A equipe de ouvidores da ADUSEPS - da qual faço parte - identificou mais de cinqüenta casos de pacientes que aguardam por cirurgia corretiva há meses apenas em um dos grandes hospitais. Tem gente que ficou alojado mais de ano dentro de uma enfermaria. Com a carne cicatrizada, com o osso calcificado, mas ainda fora do lugar.

São muitos os casos deste tipo. Uma vez no Getúlio Vargas o neto de uma senhora de 82anos contou-me que sua avó estava no chão do hospital em cima de um lençol forrado esperando pelo atendimento. Ela tinha uma perna quebrada. Passou mais de 15 dias no mesmo lugar. Não agüentou e faleceu sem atendimento adequado. Isso é mais comum do que se imagina.

Na semana passada um PM entrou em contato comigo. Ele estava na Policlínica Amaury Coutinho, na Campina do Barreto. Seu cunhado teria quebrado a perna e já esperava mais de cinco horas por um atendimento que nunca acontecia. Liguei pra Secretaria de Saúde na expectativa de encontrar uma solução. Tentar indicar um outro local para ele ir. Mas apesar da boa vontade de quem me atendeu ao telefone e a recíproca indignação com o que me ouviu relatar nada se pode fazer.

Liguei ainda pra ouvidoria do Estado, pra várias policlínicas e UPAs espalhadas pelo Grande Recife e nada. Decidi ligar para um colega jornalista. Ele entrou em contato com o paciente. O paciente contou tudo detalhadamente. Mas a matéria não rendeu. Pois o fato é deveras corriqueiro.

O cidadão continuou esperando e por falta de contato até hoje eu não sei se ele conseguiu ser atendido ou não. Como ele não voltou a ligar, eu prefiro acreditar que ele tenha conseguido. Mas era muito detalhe para um almoço de família. Preferi não me aprofundar.

Não queria deixar gente sem apetite e muito menos constranger quem tanto acredita no que se passa na telinha.

p.s - Basta clicar abaixo e assitir a propaganda do Governo do Estado. Como piada não é muito engraçada, mas como filme tá profissional. Quando assisto eu quase acredito.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O cidadão Kane e a proibição da Maconha

,
No último domingo aconteceu aqui no Recife e em mais de 300 cidades mundo afora a Marcha da Maconha, movimento mais conhecido no exterior como internacional Global Marijuana March. A frente do computador danei-me a pesquisar no Google (atual pai dos burros) sobre a origem da proibição. Entre os argumentos encontrados me agradou uma matéria da Revista Super Interessante de agosto de 2002, onde consegui pescar os fatos mais relevantes.

A começar pela origem do nome Marijuana que exemplifica toda jogada por trás da proibição da erva consumida há mais de 2000 mil anos pelo mundo afora. Eu procurando um motivo para a criminalização encontrei na realidade um culpado: Henry Anslinger. Um funcionário Público americano, responsável pela repressão ao tráfico de rum oriundo das Bahamas, na década de 1920, durante a Lei Seca daquele país.

Com a repressão ao consumo do álcool, outras formas de “fuga da realidade” se popularizaram. Entre elas a milenar erva. Com a popularização da danada no sul do EUA – durante a quebra da bolsa de 1929 - protestantes puritanos começaram a espalhar através de boatos que a maconha daria uma força sobre-humana aos mexicanos. Isso seria uma vantagem injusta na busca pelos escassos empregos naquela época. Mexendo no bolso da família americana ficou fácil acreditar em tal ladainha.

Mas o que tem a ver esse mero funcionário público americano com a origem da palavra Marijuana? Segundo a reportagem foi o tio da esposa de Aslinger quem criou o termo Marijuana. Andrew Mellon era o nome dele. Dono da gigante petrolífera Gulf Oil e um dos principais investidores da igualmente gigante Du Pont.

Nos anos 20, a Du Pont estava desenvolvendo vários produtos a partir do petróleo que disputavam o mercado com os produtores de cânhamo. Do cânhamo obtem-se materiais combustíveis (parecido com o processo de extração da mamona brasileira) e tecidos ou papeis de grande resistência e durabilidade.Foi muito usado no tempo das grandes navegações.

Sim, mas Andrew Mellon e Henry Aslinger tinham um grande aliado em comum: William Randolph Hearst. Esse cidadão era dono de uma imensa rede de jornais e uma das pessoas mais influentes dos Estados Unidos naquele tempo. Hearst também era dono de terras e as usava para plantar eucaliptos e outras árvores para produzir papel. Ele também queria o cânhamo fora da parada. Foi nele que Orson Welles se inspirou para criar “O cidadão Kane”.

Juntos eles popularizaram a palavra Marijuana, pois de acordo com a reportagem queriam algo que soasse bem hispânico. Permitindo assim a associação direta entre a droga e os mexicanos.

Foi o cidadão Kane, ou melhor , o cidadão Hearst quem iniciou, nos anos 30, uma intensa campanha contra a maconha. Seus jornais passaram a publicar seguidas matérias sobre a droga. Ás vezes afirmando que o consumo da erva fazia os mexicanos estuprarem mulheres brancas. Em outras noticiando que 60% dos crimes eram cometidos sob efeito da mesma.

O sucesso foi tamanho que através de manobras políticas dentro do congresso americano cassou-se o direito da espécie Cannabis Sativa de existir. Seu consumo ou plantio foi terminantemente proibido. Mas eles conseguiram muito mais do que criminalizar a planta. "A proibição das drogas serve aos governos porque é uma forma de controle social das minorias", diz o cientista político Thiago Rodrigues, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos. Funciona assim: "A maconha é coisa de mexicano, mexicanos são uma classe incômoda. Como não é possível proibir alguém de ser mexicano, proíbe-se algo que seja típico dessa etnia", diz Thiago.

A partir de então Henry Aslinger foi nomeado o chefe do Departamento Nacional de Repressão as Drogas e passou a freqüentar as reuniões da Liga das Nações, antecessora da ONU, propondo tratados cada vez mais duros para reprimir o tráfico internacional. A proibição foi virando uma forma de controle internacional por parte dos Estados Unidos e isso abriu espaço para intervenções militares e econômicas em outros países.

Hoje, após centenas de pesquisas feitas sobre o tema, é comprovado que a Maconha faz menos mal que o álcool, é tão agressiva a saúde quanto o cigarro comum e em casos do vício em drogas mais pesadas pode ser um paliativo agradável. A maconha é hoje uma arma poderosa na recuperação dos viciados em crack.

Mas o elaborado "controle social" conseguiu através do combate ao tráfico, porte ou consumo pegar forte e mesmo depois de tanta celeuma sobre o caso ainda é dificil vislumbrar a possibilidade de ver alguém fumando um como se toma uma cerveja. A lei atirou na maconha e acertou o livre arbítrio.

Que o diga o artista plástico Edielson Gomes da Silva, de 24 anos, que durante a realização da Marcha da Maconha de 2010 no Recife foi flagrado com uma quantidade de Cannabis Sativa suficiente para fazer um baseado. Ele foi colocado no camburão e conduzido ao Denarc pela Polícia Civil. Apesar de solto em seguida foi fichado e deve ser julgado por um crime de menor gravidade.